ETNA, por Jorge Feliciano
Há cerca de um ano, quando conheci o Miguel Urbano, ele dizia-me que o projecto mais importante em que estava a trabalhar era um livro, um romance escrito em parceria com a Ana Catarina centrado no tema, no espaço e no tempo da Perestroika, a suicida reestruturação do sistema socialista da União Soviética, que, tão amargamente sabemos, acabou por se transformar num infeliz retrocesso na evolução da humanidade.
Desde então, em menos de vinte anos, o lucrismo, o brutal avanço da barbárie capitalista liderada pelo imperialistas estadounidenses, não mais encontrou uma força com a capacidade da União Soviética para lhe fazer frente. E esse romance, disse-me o Miguel Urbano, estava a ser escrito a partir da perspectiva dos alunos portugueses a estudarem nas universidades da União Soviética no período da Perestroika.
Passaram-se alguns meses desde essa conversa, até que um dia, no principio deste ano, descubro, não me lembro se terá sido o Miguel Urbano a dizer-me ou se descobri por outros meios, que o livro seria lançado em Maio e que teria como título: Etna no Vendaval da Perestroika.
Belo título pensei, e fiquei à espera de conseguir o livro para ler, o que apenas consegui este mês, Junho, já depois de termos convidado o Miguel Urbano e a Ana Catarina a virem à nossa cidade apresentar e debater o seu livro.
Depois de os dois terem aceite o convite, começámos a trabalhar na divulgação desta sessão: fizeram-se cartazes, convites, painéis, e, sempre presente neste trabalho, o grande título, um título de uma carga poética forte e estranha, um título que parecia conter em si um segredo por decifrar para além do seu significado mais óbvio.
Se calhar, se me tivesse logo vindo parar às mãos o livro, não pensaria tanto no título, não sei, mas a verdade é que ele vinha, pelas mais diversas ocasiões, ter comigo ao pensamento. E assim, cedi à tentação de tentar decifrar (espero que não abusivamente) o (para mim) segredo deste sonante título: Etna no Vendaval da Perestroika…
Etna é um vulcão situado na Sícilia, Itália. Um vulcão com um nome feminino, tal como feminina é a palavra revolução. Ora um vulcão, pode ser um vulcão activo, passível de entrar em erupção a qualquer momento; ou pode ser um vulcão extinto, que supostamente nunca mais entrará em convulsão.
Mas já houve vulcões considerados extintos, mortos, a entrarem repentinamente em acção, e desta forma concluí que um vulcão, esteja ele considerado vivo ou morto, pode sempre surpreender os especialistas que o estudam e entrar em erupção a qualquer momento: e sem aviso prévio.
Vulcões existem muitos, um pouco por todo o planeta, ou seja, a qualquer hora um deles pode entrar em erupção, em qualquer lugar.
Este factor de surpresa, de imprevisto dos vulcões, também tem caracterizado o movimento revolucionário progressista, da luta dos povos pela sua emancipação, pela justiça e pela igualdade contra os abusos dos poderosos.
Tal como na história dos vulcões, há momentos na história dos povos em que tudo parece parado, em que determinado sistema político, se afirma como sendo o único possível e por isso imutável, e em que, a contestação a ele, a esse sistema político, é proclamada extinta.
Depois da queda, em 1991, da principal força socialista de então, a União Soviética, foi decretado e propagandeado a larga escala que estávamos a assistir ao fim da história, que a partir daí estava provado que o capitalismo era o único sistema possível à humanidade para se organizar social e economicamente, que teriam de haver sempre uns quantos donos dos recursos naturais e do trabalho de todos, e que, os donos, se encarregariam de administrar esses recursos, motivados, claro! pelo bem estar da população, e não, como de facto acontece no capitalismo, por objectivos de lucro pessoal de uma minoria exploradora.
Desta forma, os povos, a maioria da população explorada, teriam simplesmente de aceitar o que os seus donos decidissem; que, inevitavelmente, os interesses da maioria teriam de subjugar-se aos interesses lucristas de uma minoria supostamente bondosa.
Mas não foi preciso passar muito tempo para percebermos que o capitalismo não é, como nunca o foi, reformável nem moralizável. Pelo contrário, o que o capitalismo tem demonstrado é que é, em si, um sistema bárbaro, explorador, que precisa de matar, de fazer a guerra, de ocupar, usurpar, trucidar, roubar, manipular, destruir, torturar, para manter os altos lucros, as belas vidas, da minoria dominante. E que tanto mais é esta a sua prática, quanto menor for a resistência dos povos a ela.
Todavia, demonstrando que as vociferações, por encomenda, dos profetas do fim da história são falsas, nos últimos anos chegámos a um ponto da história em que, enquanto o vulcão da contestação era declarado extinto (apesar da espinha na garganta que a resistência do povo cubano sempre representou para os capitalistas), começaram a surgir novos movimentos revolucionários onde muitos pensavam não ser possível, e que hoje, são os protagonistas da nova ofensiva socialista face à barbárie capitalista.
Até há algum tempo atrás quem pensaria que um pouco por toda a América do Sul e Central, ressurgisse, e com tanta força, uma nova erupção do socialismo com o povo da Venezuela a liderar a luta?
E também não esqueçamos, voltando à União Soviética, que a própria Revolução de Outubro de 1917, constituiu na época uma grande surpresa, mesmo para muitos pensadores e activistas marxistas. Todos acreditavam que a primeira grande revolução socialista, duradoura, aconteceria no centro da Europa, nos activos vulcões sociais da Inglaterra, da França, da Alemanha.
Afinal, tinha sido nestes países que Marx e Engels haviam centrado a sua crítica ao capitalismo, era nestes países que o comunismo parecia estar em força, com grande capacidade de penetração entre a população explorada. Mas não, a primeira grande revolução socialista aconteceu fora deste centro, a leste, onde viria depois a nascer a União Soviética: um enorme vulcão tinha entrado em erupção para espanto de todo o mundo: e sem aviso prévio.
E ao ter chegado aqui, pensei ter desvendado esta parte do título, constituído pela vulcânica palavra Etna que é o simbólico nome da personagem central do romance.
Passemos agora à palavra Vendaval. Todos sabemos o que é: vendaval é um vento muito forte com a capacidade de arrastar, de destruir quase tudo o que apanha pela frente.
Mas não esqueçam, esta minha análise do título é uma tentativa de decifrar o significado por detrás das palavras. Assim sendo, se dividirmos a palavra vendaval chegaremos à expressão venda a vale.
Vender é vender, mas vender a vale eu não sabia o que era, fui investigar.
Em termos económicos claro, e segundo uma definição do dicionário enciclopédico Koogan Larousse, um vale é uma “espécie de ordem ou letra postal para transferência de dinheiro, entre particulares”. Está tudo dito.
Quanto à palavra Perestroika não descobri nenhum segredo, ela foi o que foi: uma dita reestruturação liderada por Gorbatchov, que levou à capitulação do socialismo na União Soviética.
Juntando a ideia de venda a vale à palavra Perestroika penso ter chegado a uma definição resumo do que aquele processo de reestruturação de facto foi: uma venda. Uma venda por transferência de dinheiro entre particulares, não só dos recursos naturais e do trabalho do povo soviético, mas também das próprias ideias marxistas-leninistas que foram os motores da Revolução de Outubro de 1917. Tudo isto em troca do restabelecimento do capitalismo na União Soviética, um negócio bem chorudo portanto. E assim se abriram as portas de todos os 15 países da União ao capital, ao lucro de uns quantos pela exploração dos recursos e do trabalho de todos.
Em jeito de conclusão a esta análise ao título, poderíamos então dizer que nele se vislumbram os objectivos fundamentais do livro, que são tentar responder, trazendo a debate, às seguintes questões: que consequências teve, para o movimento revolucionário e para a resistência mundial ao capitalismo, essa venda que foi a Perestroika? Porque não houve movimentações do povo soviético em defesa da sua Revolução? Se os membros do Politburo tinham consciência que o Socialismo na União estava ser destruído, o que os levou a quedarem-se na apatia? Como manter o vulcão revolucionário sempre activo como acontece com Etna, a jovem depois mulher do romance, mas também com o Etna, o vulcão real da Sícilia que é um dos mais activos do mundo? O que temos a aprender com o colapso da revolução socialista na União Soviética?
Para acabar queria alertar para o seguinte: não pensem com a minha intervenção que este é um romance político. É-o essencialmente mas não apenas. No entanto, não seria justo para os futuros leitores do romance verem desvendada aqui toda a história. Por isso centrei-me no título e em levantar algumas questões que possam ser discutidas nesta sessão. E claro, também porque acredito que o Miguel Urbano e a Ana Catarina acabarão por levantar, um pouco mais, o véu ao livro.
Mas posso adiantar-vos algo ainda:
um dos grandes aliciantes do romance é irmos em viajem com Etna, por todo o mundo, da União Soviética às Ilhas Fiji, da Colômbia à China, do Equador ao Irão, acompanhando os seus desencantos e encantos sexuais e amorosos, os seus desencantos e encantos ideológicos, e fazer, também, toda uma viagem ao longo da história da humanidade, da ascensão e queda de tantos impérios, julgados no seu tempo, tal como hoje o Império dos Estados Unidos, não passíveis de serem derrubados.
Intervenção de Jorge Feliciano durante a apresentação/debate do livro “Etna no Vendaval da Perestroika” com a presença dos autores, Miguel Urbano Rodrigues e Ana Catarina Almeida, a 30/06/2007 na Adega da Mantana, em Moura.
Desde então, em menos de vinte anos, o lucrismo, o brutal avanço da barbárie capitalista liderada pelo imperialistas estadounidenses, não mais encontrou uma força com a capacidade da União Soviética para lhe fazer frente. E esse romance, disse-me o Miguel Urbano, estava a ser escrito a partir da perspectiva dos alunos portugueses a estudarem nas universidades da União Soviética no período da Perestroika.
Passaram-se alguns meses desde essa conversa, até que um dia, no principio deste ano, descubro, não me lembro se terá sido o Miguel Urbano a dizer-me ou se descobri por outros meios, que o livro seria lançado em Maio e que teria como título: Etna no Vendaval da Perestroika.
Belo título pensei, e fiquei à espera de conseguir o livro para ler, o que apenas consegui este mês, Junho, já depois de termos convidado o Miguel Urbano e a Ana Catarina a virem à nossa cidade apresentar e debater o seu livro.
Depois de os dois terem aceite o convite, começámos a trabalhar na divulgação desta sessão: fizeram-se cartazes, convites, painéis, e, sempre presente neste trabalho, o grande título, um título de uma carga poética forte e estranha, um título que parecia conter em si um segredo por decifrar para além do seu significado mais óbvio.
Se calhar, se me tivesse logo vindo parar às mãos o livro, não pensaria tanto no título, não sei, mas a verdade é que ele vinha, pelas mais diversas ocasiões, ter comigo ao pensamento. E assim, cedi à tentação de tentar decifrar (espero que não abusivamente) o (para mim) segredo deste sonante título: Etna no Vendaval da Perestroika…
Etna é um vulcão situado na Sícilia, Itália. Um vulcão com um nome feminino, tal como feminina é a palavra revolução. Ora um vulcão, pode ser um vulcão activo, passível de entrar em erupção a qualquer momento; ou pode ser um vulcão extinto, que supostamente nunca mais entrará em convulsão.
Mas já houve vulcões considerados extintos, mortos, a entrarem repentinamente em acção, e desta forma concluí que um vulcão, esteja ele considerado vivo ou morto, pode sempre surpreender os especialistas que o estudam e entrar em erupção a qualquer momento: e sem aviso prévio.
Vulcões existem muitos, um pouco por todo o planeta, ou seja, a qualquer hora um deles pode entrar em erupção, em qualquer lugar.
Este factor de surpresa, de imprevisto dos vulcões, também tem caracterizado o movimento revolucionário progressista, da luta dos povos pela sua emancipação, pela justiça e pela igualdade contra os abusos dos poderosos.
Tal como na história dos vulcões, há momentos na história dos povos em que tudo parece parado, em que determinado sistema político, se afirma como sendo o único possível e por isso imutável, e em que, a contestação a ele, a esse sistema político, é proclamada extinta.
Depois da queda, em 1991, da principal força socialista de então, a União Soviética, foi decretado e propagandeado a larga escala que estávamos a assistir ao fim da história, que a partir daí estava provado que o capitalismo era o único sistema possível à humanidade para se organizar social e economicamente, que teriam de haver sempre uns quantos donos dos recursos naturais e do trabalho de todos, e que, os donos, se encarregariam de administrar esses recursos, motivados, claro! pelo bem estar da população, e não, como de facto acontece no capitalismo, por objectivos de lucro pessoal de uma minoria exploradora.
Desta forma, os povos, a maioria da população explorada, teriam simplesmente de aceitar o que os seus donos decidissem; que, inevitavelmente, os interesses da maioria teriam de subjugar-se aos interesses lucristas de uma minoria supostamente bondosa.
Mas não foi preciso passar muito tempo para percebermos que o capitalismo não é, como nunca o foi, reformável nem moralizável. Pelo contrário, o que o capitalismo tem demonstrado é que é, em si, um sistema bárbaro, explorador, que precisa de matar, de fazer a guerra, de ocupar, usurpar, trucidar, roubar, manipular, destruir, torturar, para manter os altos lucros, as belas vidas, da minoria dominante. E que tanto mais é esta a sua prática, quanto menor for a resistência dos povos a ela.
Todavia, demonstrando que as vociferações, por encomenda, dos profetas do fim da história são falsas, nos últimos anos chegámos a um ponto da história em que, enquanto o vulcão da contestação era declarado extinto (apesar da espinha na garganta que a resistência do povo cubano sempre representou para os capitalistas), começaram a surgir novos movimentos revolucionários onde muitos pensavam não ser possível, e que hoje, são os protagonistas da nova ofensiva socialista face à barbárie capitalista.
Até há algum tempo atrás quem pensaria que um pouco por toda a América do Sul e Central, ressurgisse, e com tanta força, uma nova erupção do socialismo com o povo da Venezuela a liderar a luta?
E também não esqueçamos, voltando à União Soviética, que a própria Revolução de Outubro de 1917, constituiu na época uma grande surpresa, mesmo para muitos pensadores e activistas marxistas. Todos acreditavam que a primeira grande revolução socialista, duradoura, aconteceria no centro da Europa, nos activos vulcões sociais da Inglaterra, da França, da Alemanha.
Afinal, tinha sido nestes países que Marx e Engels haviam centrado a sua crítica ao capitalismo, era nestes países que o comunismo parecia estar em força, com grande capacidade de penetração entre a população explorada. Mas não, a primeira grande revolução socialista aconteceu fora deste centro, a leste, onde viria depois a nascer a União Soviética: um enorme vulcão tinha entrado em erupção para espanto de todo o mundo: e sem aviso prévio.
E ao ter chegado aqui, pensei ter desvendado esta parte do título, constituído pela vulcânica palavra Etna que é o simbólico nome da personagem central do romance.
Passemos agora à palavra Vendaval. Todos sabemos o que é: vendaval é um vento muito forte com a capacidade de arrastar, de destruir quase tudo o que apanha pela frente.
Mas não esqueçam, esta minha análise do título é uma tentativa de decifrar o significado por detrás das palavras. Assim sendo, se dividirmos a palavra vendaval chegaremos à expressão venda a vale.
Vender é vender, mas vender a vale eu não sabia o que era, fui investigar.
Em termos económicos claro, e segundo uma definição do dicionário enciclopédico Koogan Larousse, um vale é uma “espécie de ordem ou letra postal para transferência de dinheiro, entre particulares”. Está tudo dito.
Quanto à palavra Perestroika não descobri nenhum segredo, ela foi o que foi: uma dita reestruturação liderada por Gorbatchov, que levou à capitulação do socialismo na União Soviética.
Juntando a ideia de venda a vale à palavra Perestroika penso ter chegado a uma definição resumo do que aquele processo de reestruturação de facto foi: uma venda. Uma venda por transferência de dinheiro entre particulares, não só dos recursos naturais e do trabalho do povo soviético, mas também das próprias ideias marxistas-leninistas que foram os motores da Revolução de Outubro de 1917. Tudo isto em troca do restabelecimento do capitalismo na União Soviética, um negócio bem chorudo portanto. E assim se abriram as portas de todos os 15 países da União ao capital, ao lucro de uns quantos pela exploração dos recursos e do trabalho de todos.
Em jeito de conclusão a esta análise ao título, poderíamos então dizer que nele se vislumbram os objectivos fundamentais do livro, que são tentar responder, trazendo a debate, às seguintes questões: que consequências teve, para o movimento revolucionário e para a resistência mundial ao capitalismo, essa venda que foi a Perestroika? Porque não houve movimentações do povo soviético em defesa da sua Revolução? Se os membros do Politburo tinham consciência que o Socialismo na União estava ser destruído, o que os levou a quedarem-se na apatia? Como manter o vulcão revolucionário sempre activo como acontece com Etna, a jovem depois mulher do romance, mas também com o Etna, o vulcão real da Sícilia que é um dos mais activos do mundo? O que temos a aprender com o colapso da revolução socialista na União Soviética?
Para acabar queria alertar para o seguinte: não pensem com a minha intervenção que este é um romance político. É-o essencialmente mas não apenas. No entanto, não seria justo para os futuros leitores do romance verem desvendada aqui toda a história. Por isso centrei-me no título e em levantar algumas questões que possam ser discutidas nesta sessão. E claro, também porque acredito que o Miguel Urbano e a Ana Catarina acabarão por levantar, um pouco mais, o véu ao livro.
Mas posso adiantar-vos algo ainda:
um dos grandes aliciantes do romance é irmos em viajem com Etna, por todo o mundo, da União Soviética às Ilhas Fiji, da Colômbia à China, do Equador ao Irão, acompanhando os seus desencantos e encantos sexuais e amorosos, os seus desencantos e encantos ideológicos, e fazer, também, toda uma viagem ao longo da história da humanidade, da ascensão e queda de tantos impérios, julgados no seu tempo, tal como hoje o Império dos Estados Unidos, não passíveis de serem derrubados.
Intervenção de Jorge Feliciano durante a apresentação/debate do livro “Etna no Vendaval da Perestroika” com a presença dos autores, Miguel Urbano Rodrigues e Ana Catarina Almeida, a 30/06/2007 na Adega da Mantana, em Moura.
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